terça-feira, 14 de julho de 2009

era uma vez.

Devorado pelo céu negro da noite, ele acendia um cigarro enquanto se deitava sobre a areia fria.
A melodia do mar deixava vir à tona memórias doces - quase tão doces como uma combinação abusiva de chocolates, álcool e prazer. Afinal, tudo girava em torno da mulher da sua vida: o cocktail perfeito com as doses correctas, o sabor ideal, a beleza mais incrível, a alma mais bonita.
As ondas do mar, sarcásticas como nunca, assistiam aquele episódio aparentemente tirado de uma cena errada de um filme pouco profissional.
O mundo não parecia passar ali, nem o mundo, nem o tempo. Nem o sangue lhe escorria pelas veias.
A face bem desenhada do rapaz era agora nada mais do que um vulto absolutamente negro, absolutamente triste, absolutamente perdido. Desejava mais do que qualquer uma futilidade habitualmente desejada, ser a resolução para o problema do seu amor, da princesa dos seus castelos, da rainha dos seus sonhos, da sereia dos seus imensos mares.
Permanecia ali, desligado do relógio, desligado do seu corpo perfeitamente bonito. Só sabia dela, dos seus passos, até dos seus gestos ocasionais. Lembrava-a lindíssima, inalcançável, perfeita. Surgiam vagas memórias: era bonita quando acordava, quando adormecia. Era bonita todos os dias. Era bonita quando ria, era bonita quando chorava de riso. Era bonita quando gritava, até triste era bonita. Era bonita de vestido, mas simplesmente linda com uma t-shirt dele, enorme, com o cabelo despenteado, descalça a vaguear pela casa impondo a sua beleza em todos os cantos, em todos os pormenores pouco relevantes tornando-os extremamente especiais.
Fumava mais um cigarro, já quase sem força para elevar a mão à boca. Podiam-lhe arrancar o Mundo, mas tirarem-lhe a terna imagem de a ver adormecer no seu peito depois de uma noite de amor era matá-lo. E morria, de facto. Estava a morrer lenta e dolorosamente.
Faltava-lhe a essência perfumada da sua pele macia, a simplicidade mágica do seu sorriso mais branco do que a neve.
Faltava-lhe o olhar terno, a palavra amiga, o jeito acriançado. O cabelo no ar de todas as manhãs, os dias passados na cama a comer pipocas e a ver desenhos animados.
Faltava-lhe o fragmento mais feliz de si e agora, a areia gelava-lhe a figura, como que para completar a alma já desfeita em cacos gelados.
E depois, quando já não havia mais lágrimas para chorar nem cigarros para consumir furiosamente, sentou-se sem se importar minimamente com a quantidade de areia na sua camisola e olhou fixamente o mar - tal como a sua deusa fazia, tantas e tantas vezes. Olhou e sentiu o coração apertar muito… Quando voltou a olhar para o horizonte, estavam imensas palavras soltas escritas na água calma. Palavras que os uniam, mesmo que não tivessem qualquer sentido quando juntas.
E ele, cerrou os punhos, pegou nas sapatilhas e pôs-se a caminho. Caminhou para a felicidade. Correu em direcção à correcção de todos os erros cometidos anteriormente.
Jurou a si mesmo, deixando o poderoso mar como testemunha que nunca, nunca se voltaria a sujeitar a tamanha dor. Nunca mais, nem por um segundo que fosse se voltaria a imaginar longe dela, longe da felicidade, longe da harmonia, longe do seu jeito mimado, dos seus gestos estranhos, simples e demasiado bonitos para interpretar.
Do outro lado da praia, estava ela. Senhora de si, descalça. Olhava o horizonte com uma intensidade inexplicável e sentia o mesmo aperto que ele.
Era amor. Ou apenas paixão. Fosse o que fosse, era bonito.
Filipa silva.



You Found Me (Acoustic Version) - The Fray